terça-feira, 7 de agosto de 2012

a promessa


Irene Fogaça viaja na camioneta rumo a sul.
É o mês de Nossa Senhora, e nem o sol redondo, inchado, prenhe de fogos e de medos a mostrar-se bailando aos olhos peregrinos, fálicos de segredos e de terços. Os olhos deles intumescidos de pecados, a cumprirem promessas, a sangrar orações pelos caminhos. E o sol sem aquecer asfaltos para que escaldem as pedrinhas e fervente a terra a tornar mais apetecido o sacrifício, mais suculento o pé a quem o trata com desvelos de pomadas e águas quase bentas.
Um horror estes dias com o sol filtrado, pensa Irene Fogaça a olhar a estrada.
Ela a imaginar o calor sufocante que fará no recinto.
Um calor a embeber as frontes com suores gelados, que são assim os suores de tristezas e doenças, e os suores de medos.
E nem uma aragem que rode um cata-vento. Meias luas e palhaços e figuras do zodíaco, ou uma cabra. Bichos talhados em pedaços de lata a apontarem, ainda, ao vento de há dois dias.
Não se movem cata-ventos no céu deste Maio, pensa Irene Fogaça ajeitando o rabo no banco.
A parceira do lado tem um perfume a cheirar a qualquer coisa que lhe dá no estômago como se fosse mistura de medronho com azeite rançoso. E fala: meu Deus como fala esta mulher! Vale a Irene Fogaça ter trazido o terço. Vai rolando as bagas com a velocidade justa para que a outra pense que debita, em cada uma, a Ave-Maria de cuja letra sabe apenas uns pedaços. O Padre-Nosso, esse, esqueceu-o totalmente, que Irene nem é devota, aconteceu-lhe ter feito a promessa, e já faz dois anos que ficou curada. Um mal de pele que lhe dava em comichão pelo corpo todo: ela sempre a coçar onde nem devia. Um desespero. E Irene Fogaça tinha prometido que se aquilo passasse iria rezar à Virgem num dia de aparição.
Tinha perguntado na merceeira:
– Dona Lurdes, sabe se há excursão? e mencionou o local de culto.
E a outra a cortar umas tiras de fiambre:
– Há, sim, mas parece que o autocarro está lotado.
E Irene Fogaça foi falar com o Bomba: este ano é ele quem vai levar o carro, tinha dito a Dona Lurdes já a pesar-lhe umas cebolas.
E o Bomba que sim senhora, que podia ir, que havia um lugar vago: o lugar da Cremilde que está internada das varizes.
E foi assim que Irene veio por ali abaixo a cumprir o que tinha prometido num dia de maior comichão.
– Um tempo dos diabos, murmura ela como se balbuciasse palavras de orações.






1 comentário:

wind disse...

Adoro como te "entranhas" nas tuas descrições.
Beijos

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein