sexta-feira, 27 de julho de 2012

ainda a casa dela




Uma casa onde ainda se sentiam, grossas, ensebadas de compotas e manteiga fresca, as dedadas de filhos e de netos. Onde ainda cheirava à caca das fraldas e ao mijo de cães e gatos. E se havia restos que pudessem dizer de como tinha sido, eram esses besuntados nas paredes.
E os riscos.
 - Deixa ver se cresceste - dizia, e marcava um risco. 
Um risco a lápis. Sempre grafite para poder ser removido e nunca tinha sido. Tinham ficado espalhados pela casa entre camadas e mais camadas de cal viva, limpezas que fazia nos dias quentes em que não chovia.
E haveria por ali, impregnadas na cera do sobrado, sobretudo nos quartos, pedacinhos de pele. Dermes de um e outro soltas do corpo de quando o sol fazia escaldões e eles dormiam grandes sestas seminus.
E, aguçados, poderiam surgir pedacinhos de unhas que eles cortavam uns aos outros, e fiapos dos cabelos. Franjas enormes que aparavam.
- Deixa ver que eu dou um jeito... 
e lá iam umas pontas loiras se era o cabelo do Zé Pedro, ou mais escurinhas se era o cabelo da Matilde ou do Rui ou da Maria Cremilde.
Seria caso raro encontrar um pelo encarnado do cabelo muito ruivo do Simão que nunca passou férias lá na casa. Ele e os irmãos eram os netos que andavam lá por fora e, se vinham, ficavam alojados num hotel. Esses netos que nunca compreenderiam o horror estampado nas caras do Zé Pedro e da Matilde, sobretudo eles, a ouvirem o Simão dizer, tinham sido as partilhas na semana passada: que sim, que ia deitar abaixo e depois construir.


2 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

As casas são a arqueologia familiar. O acumular de memórias na gaveta da saudade.

wind disse...

É mesmo o horror!
Beijos

adoro estes espectáculos - este é no mercado de Valência

desafio dos escritores

desafio dos escritores
meu honroso quarto lugar

ABRIL DE 2008

ABRIL DE 2008
meu Abril vai ficando velhinho precisa de carinho o meu Abril

Abril de 2009

Abril de 2009
ai meu Abril, meu Abril...




dizia ele

"Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas quanto à primeira não tenho a certeza."
Einstein